quarta-feira, 2 de fevereiro de 2011

Juventudes e pós-modernidade

“Ao ouvir isso, o jovem foi embora triste, porque possuía muitos bens” Mt 19,16-22

A decepção com os grandes projetos sociais, a frustração com a razão produtora de grandes guerras, a queda do bloco soviético e a ascensão da sociedade de consumo forjam uma pós-modernidade marcadamente personalista, onde a pessoa é livre; sujeito de si mesmo que projeta suas motivações do passado e do futuro em vista de um presente frutuoso.
Também as juventudes passaram a buscar tenazmente a afirmação-do-eu (self) , herança mais original da idade moderna, que se traduz, segundo Blumenberg, “num programa existencial segundo o qual a pessoa coloca sua existência numa situação histórica e indica para si mesma como ela vai lidar com a realidade que a circunda e que uso irá fazer das possibilidades abertas diante de si mesma” .
Há hoje muitas maneiras de “ser jovem” . O uso do plural expressa a necessidade de qualificar a juventude, percebendo-a como uma categoria complexa e heterogênea; é preciso superar simplificações e esquemas muito cristalizados. Dentro desse mosaico de possibilidades nos voltamos para um tema, as drogas, que permeia muitas delas, sem caracterizar uma em particular; as drogas. A análise da droga como um tema e não como um retrato juvenil é para superar o estigma da rotulação.
As juventudes desejam uma vida muito boa, em um contexto de múltiplas possibilidades e intensas estratégias diretivas de marketing; elas na medida em que buscam o desejo acabam caindo na dependência e na necessidade de vários produtos. As drogas se colocam nessa dimensão na medida em que interferem no acesso aos reais desejos. Ela oferece à pessoa possibilidades de separar-se das reais condições da existência.
Em uma cultura hedonista e subjetivista, que coloca o sofrimento na perspectiva dos “otários” que não sabem aproveitar a vida, as drogas se apresentam como porta de acesso ao pseudo-desejo de liberdade. Essa cultura faz uma violenta inversão no que tange à subjetividade; para muitos o bem-estar é ser livre da própria subjetividade; a existência incomoda para o niilista. Isso em um mundo do não-limite é abertura para as drogas.
Juventude, enquanto fase, se caracteriza como momento em que a pessoa busca referências para a construção da identidade, falam de si no plural e se encontram mais à vontade com seus grupos de pares que se formam de acordo com recursos simbólicos e materiais que lhe são disponibilizados pela família.
O intenso fenômeno da violência social que assola a sociedade em seus diversos níveis, incidindo particularmente no mundo juvenil exige uma séria reflexão. De fato, uma parcela da sociedade é relegada à invisibilidade social no tocante à efetivação dos direitos de proteção social básica e a políticas públicas aptas a romper com as condições socioeconômicas geradoras e perpetuadoras de iniquidade social.
O expressivo contingente de jovens inseridos num cotidiano de risco pessoal e de vulnerabilidades propicia a disseminação da cultura da violência. As gangues, fenômeno frequente nesse cenário, configuram-se como modo de organização de jovens mediante o qual a violência é replicada: os jovens morrem pelas mãos dos próprios jovens. Contudo, setores das sociedades civil e política surgem para o enfrentamento da violência contra crianças e adolescentes, reconhecendo-os como sujeitos de direitos e em desenvolvimento, e afirmam, mediante os próprios jovens, que “a juventude quer viver”.

Família e juventudes.
Inicialmente é preciso demarcar que o termo família será aqui tratado além da Unidade Biológica de Reprodução (pai, mãe e filhos) que tem seu mérito por oferecer caminho para a construção do discurso normativo; contudo hoje novas formas de organização e funcionamento da família surgem provocadas pela constante mudança de paradigma cultural; mudanças de papéis sociais são constantes. E as normas outrora constituídas cristalizaram-se colocando tudo que vem como novidade no âmbito do desvio, da anormalidade e, até mesmo, da patologia.
Como afirma SARTI , partindo da perspectiva narrativa é possível compreender a família como universo de relações, que acompanham o indivíduo desde o nascimento, com um conjunto de palavras, gestos, atitudes e até mesmo silêncio, e que será por ele assimilado e ressignificado, á sua maneira. Tal compreensão não nega a importância do grupo de parentesco, apenas coloca para a família um sistema maior que esse grupo em si.
A partir das referencias familiares é que o jovem se constitui socialmente, porque é ali que ele adquire linguagem para definir seu caráter; é ali que o jovem começa a ver e a significar o mundo. A família nascerá dos elementos que criam os elos de sentido nas relações; os laços biológicos são um desses elementos.
Na família o jovem adentra colocando a figura do “outro” , com um discurso capaz de abalar o discurso oficial, é o corpo estranho que ele vai buscar fora da família para forma sua identidade. Como toda instituição, a família tende a rechaçar esse “outro” com o qual o jovem se reconhece.
“A disponibilidade e a definição de limites da família para deixar entrar, aceitar e lidar com esse outro do mundo jovem serão determinantes das relações na família nesse momento de sua vida [...] A importância fundamental da família para o jovem está precisamente nessa possibilidade de manter o eixo de referências simbólicas que a família representa e que nesse momento, precisa abrir espaço para o outro, justamente para continuar a ser ponto de referência.”
O problema é que a família para se manter, muitas vezes, fecha-se ao jovem colocando-o na condição de indesejável em seu seio. A negação do diferente esconde a dura realidade de que este se parece quem o distingue. É preciso ousar colocar o ponto de vista em confronto com o ponto de vista alheio, relativizando as verdades absolutas que julga ter; isso requer humildade.
Não saber lidar com essa etapa comum do processo juvenil traz para o contexto familiar o fantasma da drogadição que é satanizado como problema do qual se quer libertar; enquanto jovem a busca é pelo que o diferencia da família e satisfaça seus “desejos” e a sensação de angústia, abandono, perseguição e, em alguns casos, fome; permitindo que, por breves períodos, as opressões sofridas transformem-se em euforia e outros sentimentos capazes de coloca-los novamente na condição de euforia e autossuficiência.

Juventudes e drogas
Pesquisas recentes mostram que 72% dos jovens entre 15 e 24 anos afirmam ter fácil acesso as drogas ilícitas (maconha e cocaína), mas relativamente poucos (13,9%) usam dessa proximidade em benefício próprio; outro fato é que apenas 17% deles são a favor de que o uso da maconha, por exemplo, deixe de ser crime. Isso derruba o mito de que as juventudes são prezas fáceis para as drogas. É possível perceber ainda nas pesquisas que os jovens com baixo desempenho escolar e com relacionamento familiar difícil são os que apresentam maiores chances de consumir substâncias ilícitas.
A construção da identidade juvenil passa pelo campo da transgressão e, nesse momento, as drogas ilícitas se apresentam como mercadorias de forte apelo, por estarem à margem e se apresentam como bônus ao modelo formal de consumo, saindo do padrão social e entrando no padrão dos afins.
Esse contato com um grupo organizado, alternativo e contrário ao familiar oferece para a pessoa a oportunidade de identificar-se com aquilo que se difere do padrão dado desde a infância; é quando aquilo que foi apresentado como mal apresenta-se como caminho possível. Nesse grupo a onipotência imaginária da pessoa ganha possibilidade, fazendo dela ser incastrável, toda poderosa. Jovens usuários de classe média e alta evidenciam isso com mais facilidade; mas todas as camadas sociais estão envoltas nesse drama.
A busca de completude será sempre pauta da existência humana; as pessoas são seres sociais e buscam a alteridade constantemente; a descoberta da ausência desse “outro” frustra, por revelar a dificuldade de enfrentar a vida por si e solitáriamente. Não há quem resolva seus problemas. O efeito da droga faz a pessoa voltar a sensação de continuidade com aquele grande outro que o sustenta e dá segurança; isso não é um imperativo na medida em que há sujeitos que ficam mais inseguros ainda. Há quem use para procurar amparo, outros para se comemorar ou coroar a completude.

Concluindo
A sociedade ocidental pós-moderna propõe (impondo) uma vida autônoma pautada em projetos individualizados, e o consumo como imperativo e merecimento imediato de tudo por todos, o que não é verdade, isso frustra. A família apresenta facetas de carinho, atenção e proteção em um mundo integrado que acolhe o jovem como ele é, quando o jovem apresenta novos elementos para sua identidade a família rechaça, e, mais uma vez, isso frustra e leva à droga, um caminho economicamente acessível a muitos para apaziguar as angústias. Isso coloca muitos jovens na cultura, pregada como possibilidade de uma boa vida só de prazeres, eliminando os modos de sofrer a partir do momento que dá sentido ao sofrimento; o ruim é quando esse sentido vem com a falta de drogas, é quando a dependência domina a pessoa.
As juventudes hoje encontram um mundo de possibilidades para realizar as mais diversas vontades; contudo urge uma educação crítica da manipulação da independência juvenil, educação essa que também seja capaz de superar um moralismo exacerbado, sem desconsiderar os riscos reais de todas as drogas, até, e principalmente, das lícitas.
Vivemos em um contexto de muitas riquezas para as juventudes, e elas devem sim beneficiar-se disso; contudo há um ditado popular que diz que quem tudo quer acaba por nada ter. A compreensão da finitude como limite real na existência não pode ser desconsiderado.
É nesse momento que a religião se apresenta como esperança e alegria; uma vida bem vivida aqui continua na eternidade junto àquele que ama e se entrega para que as juventudes vivam, e tenham vida em abundância. Essa vida não é significado de ausência de sofrimento, mas de enfrentamento das dificuldades como desafios que aprimoram, ajudam a romper com antigas estruturas e contribuem para a formação de uma personalidade forte, robusta e autentica. Isso é adultecer; é aprender com a vida; é abandonar os bens efêmeros em vista do fundamental; é ter a coragem que o jovem da passagem do evangelho citada no começo não apresentou quando Jesus lhe faz a proposta de seguimento.
O Reino só acontece quando a fé é acolhida na interioridade de cada pessoa; é a adesão pessoal que tem sua fonte e finalidade na comunidade. O cenário pós-moderno valoriza isso; é preciso pensar a evangelização das juventudes na pós-modernidade, respeitando a aderindo ao tempo, transformando os problemas em oportunidades. Não se pode negar mais a subjetivação do ser humano, que não teme uma vida instável e relativa. É fato que os grandes projetos estão se perdendo; obviamente isso traz seus prejuízos, mas também apresenta centelhas de esperança já que vai exigir convicção dos que aderem à proposta.


REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

1. ABRAMO, Helena Wendel; BRANCO, Pedro Paulo Martoni. (org). Retratos da juventude brasileira. São Paulo: Ed. Fundação Perseu Abramo e Instituto de Cidadânia, 2005.

2. ALMEIDA, Maria Isabel Mendes de; EUGENIO, Fernanda. Culturas Jovens: novos mapas do afeto. São Paulo: Jorge Zahar, 2006.

3. BLUMENBERG, Hans. The legitimacy of the Modern Age. Cambrige: MIT, 1983.

4. CARMO, Paulo Sérgio. Juventude no singular e no plural. In: As Caras da Juventude. Cadernos Adenauer. São Paulo: Fundação Konrad Adenauer, 2001.

5. DIAS, Maria das G. F. de F.; FONTAINE, Anne M. O desenvolvimento do Self. In:______. Tarefas desenvolvimentais e bem-estar de jovens universitários. Lisboa: Fundação Calouste Gulbekian; Fundação para a Ciência e a Tecnologia, 2001. p. 253-304

6. SARTRI, Cyntia Andersen. O jovem na família: o outro necessário. In: NOVAES, Regina; VANNUCHI, Paulo (org). Juventude e sociedade: trabalho, educação, cultura e participação. São Paulo: Ed. Fundação Perseu Abramo e Instituto de Cidadânia, 2006

7. SOUZA, José Carlos Aguiar de. O Projeto da Modernidade: autonomia, secularização e novas perspectivas. Brasília: Liver livro, 2005.

domingo, 20 de junho de 2010

A GUINADA MODERNA

Durante muito tempo a verdade habitou na atividade noética (nous = alma) condicionado em um paradigma do ser. A cultura medieval, por sua vez, teve seu ponto unificador em torno de sua teologia. Com a ascensão do cogito cartesiano - um sujeito não mais empírico, agora estruturado na racionalidade - a modernidade passa para um novo paradigma, o da consciência; o self - afirmação do eu - leva o sujeito para o centro das operações intelectuais com isso a verdade deixa de habitar na atividade noética e passa para o cogito - cogitare. A modernidade é um período que se caracteriza, sobretudo, pela afirmação do Self . Contudo, para manter-se legítima a seu projeto, ela teve que abandonar as grandes questões. A modernidade foi, por excelência a era da razão autônoma.

O início da modernidade trás consigo uma mudança de pensamento. A natureza passa a ser vista de forma matemática. Influenciado por Galileu, Descartes descobre que há na Natureza leis constantes e que a partir daí ela poderia ser lida como um livro. Não mais o Homem que se sujeitaria à Natureza, mais ela que prestaria reverência à razão humana, uma vez que, o homem poderia tomar todos os seus segredos. Outro nome que foi de vital importância para a mudança na forma de ver o mundo, foi Newton.

" Newton concebia o Universo em termos mecânicos. Deus é introduzido no sistema mecânico como construtor do mecanismo, nada mais do que um mero técnico que pode ser removido completamente da teoria explicativa do funcionamento das coisas."

Com isso, a sacralidade transcendente da Natureza, a que antigos (Cosmos) e medievais ( Deus) se reportavam, perde o sentido, dado o próprio estatuto do mundo ser contado nos liames de causas que se auto-justificam, por isso, eficientes. A rejeição da essência é, pois, a adoção de um novo modelo de racionalidade, que ao mesmo tempo oferece bases consensuais para o saber e limita, por outro, as fronteiras deste mesmo conhecimento. Assim, o que se revelava metafisicamente à luz de um heteros divino, passa a ser realizado pelo esforço do cogito, do self, no ato mesmo da reflexão. O sujeito que conhece torna-se o centro de todo o processo intelectual, por meio de uma racionalidade que se alto afirma.

Ao ver-se de posse do Self a modernidade assume, erroneamente segundo Blumenberg , as "grandes questões da era medieval", tentando responde-las. Ao fazer isso ela perde o seu referencial do objeto subjacente à afirmação do Self . Esse equívoco fundamenta-se na concepção teológica do medievo que agonizava. Quando Ockham atribui a Deus apenas as respostas de ordem salvífica, e aos modernos a responderem às suas próprias perguntas, a modernidade passa a ser responsável somente pelas questões intramundanas.

Com tudo isso, encontramos na racionalidade moderna três componentes que se inscrevem em momentos paradigmáticos, sendo eles: a identidade, a atividade auto-preservadora e a contradição. O primeiro é um momento estrutural que dita uma consciência auto-assertiva que se coloca como princípio subjacente de toda a racionalidade, dado a sua substancialidade; o segundo é um momento estrutural que visa somente a uma preservação-de-si-mesma, já que as coisas mantêm o seu estado - conforme o sistema mecânico auto-eficiente de Newton - e não obedecem a um fim preestabelecido; no terceiro momento estrutural que indica perfeição das coisas, dado que a mudança não é inata, mas sim esta ocorre a partir de fatores externos que se contradizem no choque entre forças opostas.

Tendo a existência como fato, a modernidade teria o desafio de responder as questões que fossem apresentadas a ela, procurando desenvolver o conhecimento a partir de uma causa sui da consciência que afirma a sua subjetividade, e ao mesmo tempo visa preservar a si mesma e encarar as contradições apresentadas . Uma nova metafísica da alma é a grande guinada moderna, cabe a ela assumir esse desafio.



Anselmo Nascimento

Interlúdio Filosófico entre Eros e Civilização


No livro “Eros e Civilização” Herbert Marcuse continua a cunhar sua crítica a cerca da falta de concretude do homem moderno. Ele é um pensador que não abandona os ideais marxistas, mas aponta caminhos novos para a promoção do mesmo. Marcuse opta por retomar alguns conceitos freudianos a partir de uma perspectiva político-sociológica.

Do pensamento de Freud, Marcuse aponta a seguinte tese: a civilização sempre será repressiva, e a felicidade inviável; isso porque o progresso da civilização traz como conseqüência o aumento do mal-estar e da destrutividade . Ele constata isso analisando os mecanismos mentais dos indivíduos, substâncias vivas da história. Marcuse, no Interlúdio Filosófico, capítulo quinto, visa elucidar as implicações metapsicológicas da teoria freudiana, que ao atingir hipóteses sobre as estruturas principais da ontologia, atingem diretamente o contexto da filosofia ocidental, mas não atingem superficialmente, como se pensava; ao contrário, suas implicações são mais que formais. É nesse interlúdio que o capitulo desenvolver-se-á.

Marcuse comunga com Adorno no que tange à história e seu progresso independente do conhecimento, mas de acordo com as próprias leis do processo histórico. É perceptível nas instituições a luta entre eros e o instinto de morte, mas são essas vicissitudes que oferecem dinamismo para a evolução. Isso porque Freud pensou uma civilização repressiva e universal, a partir do principio de desempenho, bem de acordo com o momento histórico em que estava. Marcuse vê o principio de desempenho como re-afirmador da repressão.

A fonte de tudo isso se encontra no que Freud apresenta como inibição metódica dos instintos primários. A inibição da sexualidade em vista de melhores relações grupais, e a inibição dos instintos destrutivos em vista da moralidade individual e social. Assim é possível o progresso da vida social; no entanto isso traz a sublimação da agressão controlada, onde o Eros é debilitado e a destrutividade se liberta.

No que tange ao ego, Marcuse relata como ele foi apresentado no Ocidente, principalmente no que diz respeito à natureza, que como ego agens, deveria ser combatido, conquistado e até violado. Era a relação maître possesseur, em vista da autopreservação e do autodesenvolvimento, ou seja, visando o desenvolvimento humano foi travada com a natureza uma luta eterna. Nessa relação o trabalho se apresenta como um demolidor da resistência.
Caminhando nessa lógica, o trabalho deveria visar a libertação do homem, mas isso não acontece. A razão que teria por finalidade garantir a realização das potencialidades humanas, quando unida à lógica, reduz a unidade do pensamento, conforme apresentara Hegel, à técnicas de cálculo e manipulação. É possível perceber tais acontecimentos na história da razão ao constatar que a curva ascendente do devir foi convertida em um círculo que se move em si mesmo, onde estão contidos o passado, o presente e o futuro. No auge do pensamento racional ocidental, em Hegel, esse movimento fica evidente quando a razão desenvolve-se através da evolução do conhecimento de si mesmo que o homem faz.

Essa prisão leva a um movimento infindável no que tange à liberdade do ego, já que o mundo tem um caráter de negatividade. Máximas como a de Hegel de que “A autoconsciência só pode atingir sua satisfação noutra autoconsciência”, evidencia uma barreira, que pressupõe uma suprassunção da alteridade. Fato é que a obra máxima hegeliana apresenta uma auto interpretação da civilização ocidental.

Desta forma, a filosofia ocidental foi tecida. De Aristóteles a Hegel, as formas básicas da razão e da liberdade se apresentam como “noús” (Geist). Entre os pensadores, acontece o progresso da alienação, embasado na lógica da dominação, sustando assim a libertação do oprimido.

É Nietzsche que rompe com essa tradição ontológica e denuncia o logos como repressor. Aponta como equívoco a transformação de fatos em essências, de condições históricas em metafísica. Nietzsche parte de um principio de realidade contrário ao modelo ocidental, desejando assim libertar-se do que ele chama de tirania do devir.

O logos como parte que se intercala nas diversas partes do desenvolvimento da razão ocidental, apresenta-se na forte tendência da lógica da dominação que tenta abafar a tendência de formulação de um novo logos, o da gratificação. Freud, ao definir o Eros como essência do ser, comunga com a dinâmica filosófica que se desvelava.

Marcuse parte do pressuposto de que Ser é, essencialmente, lutar pelo prazer; e é esta luta que se converte “no anseio” da existência humana. Não é possível confiar à Ananke a existência humana. Afinal, a cultura tem início exatamente, no preenchimento coletivo desse anseio e não nos interesses de dominação. A teoria freudiana se torna factível por oferecer um retorno a Platão e possibilitar conceber a cultura como livre auto-desenvolvimento de Eros.

Em linhas gerais, o que Marcuse vem mostrar é que ir além de Freud é atingir um novo modelo de civilização. Freud cria que na constante luta entre Eros e Tanatos o último sempre prevalecia. A proposta de Marcuse é que a tecnologia daria possibilidade de diminuição de tempo de trabalho e labor para haver tempo livre que seria utilizado para o lúdico. Quando se fala em tempo livre enquanto lúdico, quer-se dizer que o tempo seria utilizado para desenvolver as potencialidades do sujeito de acordo com suas verdadeiras necessidades. Marcuse se baseia no Eros para a construção da Civilização estética, e defende que o equívoco de Freud foi se fundamentar em um modelo unívoco, o da civilização ocidental. Conseqüentemente ele, assim como ela, reprimiram o ser humano.

Bibliografia
MARCUSE, Herbert. Eros e Civilização: uma interpretação do pensamento de Freud. 8. ed. São Paulo: LTC Editora,1998. Capítulo V. p. 104-119.

O andarilho em minhas andanças



O andarilho da esperança sempre me despertou muita curiosidade; o tive desde a infância como um ícone, ao lado de Dom Éuder Câmara, pelas histórias acera de suas ações, e pela respeitabilidade com que minha família e meus amigos referiam-se a ele.

Durante minha caminhada, a educação jamais saiu de pauta. Enquanto estive na escola e no “Centro Educacional”, que pertencia às Salesianas, sempre fui envolvido por ensinamentos políticos que nos ajudavam a sentir a importância de ler o mundo.

Já em minha adolescência ingressei em outro projeto que pertencia à Fundação São Martinho, onde as Salesianas e os Carmelitas desenvolviam uma ação de encaminhamento de adolescentes para a aprendizagem direta no mercado de trabalho. Ao concluir essa experiência, já com meus 18 anos, optei por ser voluntário com eles em ações junto a adolescentes com trajetória de rua e de comunidades carentes no que tange a evangelização; foi nesse momento que me senti provocado a dedicar-me integralmente ao serviço da evangelização e educação da juventude.

Quando tomei a atitude de ser Salesiano, comecei a estudar filosofia, e que sempre fora minha paixão; mas até o momento, o que teria isso tudo a ver com Paulo Freire? Se essa pergunta me fosse feita antes do seminário não saberia responder; hoje percebo muito bem o quanto tudo isso converge para a pessoa que sou, para as ações em que me encontro inserido e as atitudes que costumo tomar.

As pessoas que estiveram envolvidas em minha educação sempre me mostraram Paulo Freire, mas nunca me falaram sobre ele; deixaram que eu fizesse a minha experiência com o andarilho.
Quando criança eu, filho de família pobre, negra e solidária que partilhava o que tinha e o que não tinha, aprendi na condição de oprimido a não oprimir, mas de entender as situações que me levaram a tal condição. Com minha mãe aprendi a lutar por uma inclusão e por uma condição mais digna para os meus, sem com isso oprimir outrem.

Por começar a trabalhar muito jovem fui aprendendo a importância da autonomia, e com ela fui construindo minha vida, não sozinho, mas com os que em mim acreditavam; lutei, sofri, cai; mas aprendi a ser forte, a não permitir injustiças e a sonhar. Nesse momento fui visto como um bobo; pois um jovem que acredita em utopias, nos dias correntes, não é considerado muito ‘normal’. Mesmo assim continuei; e mais uma vez muitos foram os que me apresentaram Paulo Freire com as suas experiências. Senti que não há mesmo dinheiro que pague a dedicação de um pedagogo, no seu sentido epistemológico, em sua ação junto aos educandos que acompanha.

Em minhas ações pastorais, já como salesiano, busquei oferecer uma análise critica do contexto em que meus destinatários viviam; sendo assim, nas Casas de Atendimento a Adolescentes com Medidas Sócio-educativas, no Centro salesiano do Adolescente Trabalhador (CESAM) e no Pré-UPSET, aprofundava leituras de situações políticas do país e das conseqüências disso para a vida deles. Os motivos que os levavam à dificuldade de emprego, o que os colocava na exclusão e porque tinham dificuldade de acesso à universidade pública; sentia que essa era a minha missão fundamental, e assim fiz.

No começo desse semestre (segundo de 2006) resolvo matar a curiosidade de conhecer “um tal de” Paulo Reglus Neves Freire (1921-1997). É nesse momento que começa a descortinar-se à minha frente tudo o que havia recebido enquanto educação e toda a influência que esse andarilho havia tido em minha vida. Paulo sempre esteve comigo e eu não sabia; descobri mais que seqüelas de suas idéias em minha vida, descobri que com ele havia me configurado tanto no campo da ação política, como no campo da fé e da práxis.

Encontrei nele alguém com quem possa comungar minhas utopias, meus sonhos. Consegui ver em seus escritos uma verdadeira compaixão pela educação, fator raro no campo intelectual acadêmico no qual estou inserido. Vi nele uma filosofia da práxis, que jamais havia imaginado. Ouso colocá-lo como um filósofo que conseguiu superar Karl Marx, por ter fé. Uma fé que jamais Marx teria assimilado, mas que se a conhecesse torná-lo-ia um dos mais piedosos cristãos.

Quando me encontro hoje com os textos de Paulo vislumbro as condições de possibilidade para um mundo melhor. Vejo ainda o quanto a teologia da libertação e suas reflexões contribuíram para essa constituição, e ai relembro que minha Comunidade Eclesial é de Base e, como tal, influenciou muito minha fé e minha condição de sequela cristi.

É, sem dúvida, na fé que encontro forças para continuar sonhando com um mundo (Reino) melhor; mas foi em Paulo Freire que vislumbrei possibilidades de promover esse mundo, por meio de uma educação mais crítica e política, afinal, somos seres políticos que precisam disso para constituir, seja sociedade ou comunidade.

Mas e depois da conclusão do curso? Bom, agora que ‘a Bahia já me deu régua e compasso’ tenho condições de buscar saborear a arte de educar e de, ao educar, educar-me.

Como o andarilho nos ensina aí vai uma partilha mais recente de minha vida. Fui fazer laboratório desse curso em grupo de Educação de Jovens e Adultos, lá me deslumbrei com toda a forma de educar própria da ação do andarilho; mas o que mais me chamou a atenção foi a educadora; Analina o nome dela. Educava com o coração, acreditando na importância de sua ação para a vida daqueles educandos, e com eles adquirindo experiências para sua própria vida. Ative-me a ela porque Analina foi minha educanda no Pré-UPSET, onde eu trabalhava com uma matéria chamada Cidadania. Consegui ver em suas ações o quanto ela havia assimilado nas aulas que com ela partilhei.

Em fim não me contive de emoção, pois voltei a aprender com aquela que outrora fora minha educanda. Ali, já conhecedor do andarilho, vi Paulo Freire me ensinando; ao mesmo tempo em que me comovi de orgulho e esperança; sim, muita esperança em um futuro melhor por meio da educação.

A banalidade da atitude


A barbárie do dia sete de fevereiro de 2007, no Rio de Janeiro, tem ocasionado mal-estar entre diversos ramos da sociedade e traz para o debate, novamente a redução da idade penal; um assunto sempre latente na opinião pública. A violência na cidade maravilhosa retrata mais do que um problema isolado, ao contrário, evidencia um estágio avançado de desenvolvimento que todo o país chegará caso não se discuta o que de fato importa para reverter este quadro o quanto antes. Merece todo o carinho da sociedade a família de João Hélio, louvor também ao pai que ousou denunciar o próprio filho, e parabéns o povo carioca que vem tentando expressar o inexprimível.
Merece atenção a palavra da professora de filosofia Viviane Mosé que pede para suspender o momento e refletir que rumo a sociedade esta tomando. Sabe-se que tudo tem um começo. Colocando como referencial para a luta pela redução da menoridade penal. O questionamento que surge é até que ponto realmente se quer atacar o problema em sua raiz, ou será que mais uma vez oferecer soluções paliativas? A cultura do jeitinho brasileiro impregnou de tal forma o cotidiano da sociedade que se acredita sempre que a melhor solução é a imediata; após algum tempo, nem se lembra mais o que reivindicava. Recordar é viver.
O caso da Candelária, que completará 14 anos em julho próximo, revoltou a população, ali já se tornara evidente o problema social que o Rio encarava e muitos foram os grupos que exigiram, não apenas a condenação dos policiais, mas também políticas que evitassem a situação em que os meninos se encontravam. O então ministro da justiça Nelson Jobim ignorou as reivindicações. Em 2003 o caso do menor, de codinome “chapinha”, que assassinou o casal de namorados que acampavam no parque, em São Paulo, incendiou novamente o debate. Esse último caso se assemelha com o de João Helio, pois acontece em um grupo de maiores e um menor presente. É triste ver como o crime ensina.
Quando a população reivindica a discussão da redução da idade penal, ela esta preocupada em pensar o que ela mesma fez com a sociedade, ou seu interesse é condenar o executor daquele bárbaro ato? A pergunta se coloca para que as soluções paliativas não imperem em situações complexas como a da violência e falta de educação nas cidades brasileiras. Dona Rosa Cristina Fernandes (mãe do João) afirma repetidas vezes “eles não têm coração”, depois corrige, “no lugar do coração eles têm uma pedra”. Talvez seja momento de pensar, o que esta petrificando o coração dos adolescentes e jovens brasileiros? Que pais, que educadores, que modelo de cidadãos estamos sendo? Quais exemplos, com que testemunhos o país tem se empenhado em mostrar que o mundo pode ser melhor? Quando digo país, falo de mim, que escrevo e de você que lê!
Querer provar que eles são ruins, como afirma o delegado carioca Hércules Pires, é mostrar que a terra é redonda; querer entender e combater o que os torna “ruins” é atitude de quem deseja mudar algo que realmente influencie o rumo de nossa história. A irmã de João Hélio dá o pontapé inicial ao questionar: “Se essa não é a hora da mudança quando será?” Resta saber que tipo de mudanças se busca; as paliativas ou as que vão à raiz do problema. O senador baiano Antônio Carlos Magalhães acredita que um jovem não pode deixar de ser punido por falta de experiência, e sugere aumentar o tempo deles nas cadeias; saída boa para quem deseja profissionais mais experientes no futuro.
É oportuno ainda recordar que a pobreza não é fator decisivo para a pratica de barbáries como a com João Hélio; basta lembra que os adolescentes que incendiaram Gaudino Jesus dos Santos, a quase 10 anos, eram de classe abastarda; que a jovem Suzane Von Richthofen tinha país ricos e era munida de uma boa educação. A banalidade do mal existe e tende a crescer, enquanto como sociedade não pararmos para pensar o que estamos fazendo e como estamos agindo na educação, no sentido lato, do futuro não teremos as mudanças sonhadas, e veremos acontecer com o Brasil o que hoje acontece no Rio.
Por isso, mais que autonomia estadual para regência de leis, faz necessária ações educativas preventivas em vista do futuro, e emergenciais em vista do presente próximo. Muitas correntes pedagógicas contemporâneas temem a palavra disciplina e a ornamentam com o termo limite, que seja, o importante é saber que o ser humano é construído de acordo com suas relações; quais relações estabelecendo com os adolescentes e jovens de hoje? Enfim, o mundo que queremos condiz com nossas atitudes?

quinta-feira, 22 de abril de 2010

Pecado e liberdade

“A Graça de Deus liberta a nossa liberdade”



Como filhos de Deus todos são chamados a viver, e viver em abundancia; contudo habita em cada um de nós a condição de pecador. A presunção de tornar-se divino volta e meia se apresenta entre os desejos humanos. A decisão pessoal de não ceder às fraquezas e tendências, aquilo que é mal para si e para os outros é que possibilita a ação da graça de Deus. Entender a própria limitação é condição fundamental para ser livre, já que essa compreensão facilita a abertura à ação amorosa da graça de Deus em nós.

Deus cria a pessoa perfeita a livre; é essa liberdade que permite escolher o que fazer em sua existência; a salvação em Jesus se apresenta como proposta e testemunho para todos, na medida em que ele assume sua humanidade e, livremente, leva até o fim a proposta de um mundo melhor e mais justo para todos. A originalidade do nosso pecado tem a mesma fonte que a originalidade da Graça; se dá na possibilidade de opção livre que a pessoa tem e que a provoca constantemente.

Uma das coisas mais originais na pessoa é a capacidade de escolha e as angustias que estas provocam; o ser tem a oportunidade de escolher o que fazer de si e suas circunstâncias. Tal afirmação não nega aquilo que as estruturas sociais levam o sujeito a ser, o que ela pretende é afirmar que vencer os condicionamentos estruturais, sociais e fazer a própria história é atitude de pessoas que, aprisionadas, tornam-se livre para começar a fazer sua própria história. A graça de Deus se apresenta como oferta àqueles que, entendendo seus limites, se abrem ao amor e assumem sua condição.

Ao ler este texto que música você vem a sua mente? Envie para o e-mail anselmorio@gmail.com ou deixe seu comentário. Obrigado!

O ato de crer

Creio em ti, amigo…
Creio no teu sorriso, janela aberta do teu ser.
Creio no teu olhar, espelho da tua honestidade.
Creio nas tuas lágrimas, sinal do compartilhar alegrias ou... tristezas...
Creio em tua mão sempre estendida para dar ou... para receber...
Creio no teu abraço, acolhida sincera do teu coração.
Creio na tua palavra, expressão do que queres ou esperas.
Creio em ti, amigo, assim, simplesmente... na eloquência do silêncio

Elena Oshiro